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Foto do escritorJoice Viana

A MORTE PARECE DAR SINAIS...

Um relato sobre a dolorosa partida do meu pai e a beleza do perdão. Que bom que eu tive tempo. E você, vai esperar perder para dar valor?

A morte, às vezes, parece que dá sinais de que ela vai dar as caras no seu meio de convívio. No momento que isso acontece você não percebe, mas quando alguém que você ama vai embora você começa a rebobinar a fita da sua memória e lembra de muitas coisas que agora fazem sentido.


Decidi abrir o word e começar a digitar, discorrer sobre os meus sentimentos que afloraram agora. Esse é um exercício que muitos psicólogos indicam para pessoas com depressão, ansiosas e etc., com o intuito de aliviar uma dor e tranquilizar. Quando isso parecia uma obrigação para mim – quando estava doente -, realmente era muito difícil, mas hoje eu percebo que é libertador deixar os dedos digitarem sem regras e permitir que as lágrimas escorram pelo meu rosto sem querer enxugá-las, deixando que apenas sigam o curso natural, que é secar diante da pele quente, fluidamente.


Lembrar do meu pai ainda é muito dolorido, apesar de a frequência que isso ocorre, ao passar dos dias, ser menor do que já foi antes. Estamos nos aproximando de quatro meses sem o Waltão do caminhão, como ele mesmo se intitulava. Quatro meses sem a sua alegria, cabeça fria e positividade de quem sempre dizia estar tudo bem, sem reclamações quanto a sua vida sem maiores conquistas, sem patrimônios – o único que tinha foi roubado em 2017 (esse caminhão azul na foto abaixo era a sua paixão, assim como ser caminhoneiro, tradição de família), no lugar que ele tinha como casa e ainda chamava carinhosamente de vila –, com algumas dívidas, mas sem maiores preocupações. Para você, pai, estava tudo ótimo.

Foto 1: Caminhão do meu pai / Foto 2: Meu pai (esquerda), minha prima, meu tio


Esse seu jeito despretensioso sempre foi criticado pela sua família e você não ligava nenhum pouco, te admiro por isso, apesar de eu ser uma das suas maiores críticas durante a minha vida toda ao seu lado. Não posso te elogiar por ser o melhor pai do mundo, talvez não fosse essa a sua vocação nessa vida, mas a sua bondade, inocência, humildade e simplicidade são invejáveis!


A nossa relação nunca foi fácil, quer dizer, isso depois que fui crescendo e tendo a minha opinião sobre as coisas, porque quando era pequena, pelo que vejo em fotos antigas, eu adorava ficar sentada com você no sofá de casa e uma das minhas memórias mais antigas é com você. Lembro até hoje que, quando morávamos no Baeta Neves, em São Bernardo do Campo – ou seja, deveria ter uns três ou quatro anos –, você me levou ao Mc'Donalds, minha introdução ao junk food. Hoje em dia isso seria um absurdo: “com essa idade levando a menina pra comer porcaria?!”, mas era anos 90 né.

Foto 1: Meu 1º aniversário (1989) / Foto 2: Um dia comum no sofá de casa


Tivemos que nos mudar para a casa da minha vó paterna logo depois que a minha mãe tinha dado a luz ao meu irmão mais novo. Por que? Meu pai havia sido demitido e não conseguíamos mais pagar o aluguel. O que era para ser algo temporário se tornou definitivo até 2016/2017, quando, finalmente, passamos a morar de aluguel novamente.


Nesse interim, muitas brigas por conta de falta de dinheiro, sobre o papel do meu pai na família, por causa da bebida. Cresci ouvindo muitas reclamações sobre você e, muitas delas, tinham fundamento e razão. Aliadas ao seu comportamento quando bebia – você não nunca foi agressivo, mas tinha atitudes que eu não aprovava, que não era algo que um pai de família deveria fazer – isso me gerava um ódio, uma revolta, um desdém, uma falta de respeito por me achar mais madura que você, mesmo sendo só uma criança, depois uma adolescente, depois uma mulher. Quando precisei de concelhos de um pai, não foi a você quem eu recorri e isso me dava muita raiva, tristeza e sei lá mais o que.


Até que veio a depressão na minha vida e ela me ajudou a ressignificar tudo em minha vida! Qual o motivo de nutrir raiva sobre o que eu gostaria que você tivesse sido pra mim, eu não poderia controlar isso, gostaria de “consertar você”, como diz a música do Coldplay (Fix You) – feita em homenagem ao pai da mulher do Chris Martin que havia morrido –, mas a gente não tem o controle sobre o outro. Então, resolvi deixar tudo de lado e te perdoar com todas as minhas forças. Incrível como isso também é extremamente libertador! Passei a nutrir um carinho muito grande por você, te amar de verdade.

E, por isso e muitas outras coisas, que Deus é incrivelmente divino e maravilhoso mesmo! Um transtorno tão devastador, como a depressão, que quase tirou a minha vida duas vezes fez com que eu olhasse para dentro de mim e analisasse tudo em minha volta. Achei que devia pedir desculpas a você e assim o fiz, mas para você isso não era necessário, porque seu amor por mim sempre foi maior que a chateação que eu possa ter causado.


Consegui desfrutar um ano inteiro com você sem aquele rancor, aquela raiva, cuidei de você com amor, te levei em vários médicos para cuidar da sua saúde, que você sempre negligenciou por se achar forte. Mas chega uma hora que o corpo não aguenta mais e precisa parar.


Voltando aos sinais do começo deste texto, em que eu acabei divagando sem mencionar... Era dia 31 de julho, sábado, e minha mãe resolveu fazer uma “surpresa” – eu já estava ligada – meu aniversário tinha sido na quarta-feira e ela fez um bolinho pra comemorar. Tudo seguiu o esperado, meu pai acabou não se segurando e eu, já desconfiada, falei: “Viu, eu sabia!”. Comemos e do nada ouço risadas, meu pai, meu irmão e meu marido chorando, literalmente, de rir, com algo que o você tinha feito. Foi um aniversário simples, mas muito legal!


Ao me despedir, como sempre, você fechava o portão e eu dava um último tchau. Dessa vez, eu peguei a patinha da Lua, minha cachorra, e acenei com a patinha dela. Beleza, mas o que isso tem a ver com sinal? Não sei porque, mas eu senti algo diferente quando eu fiz isso, parecia aquela cena de filme em câmera lenta que você dá tchau e dá a impressão de ser um adeus, uma despedida.


Esse foi o último dia que vi você bem e com saúde. No dia 4 de agosto, recebo uma ligação dizendo que você foi socorrido pelo SAMU na casa do meu tio. Um AVC pegou você de jeito. Eu e meu irmão tivemos a dura missão de acompanhar tudo de perto, pensei que ia perder você naquele dia mesmo, mas rezamos tanto que você ficou mais um tempinho com a gente. Por mais que seu prognóstico não fosse nada bom, a esperança seguia junto comigo de que você ia se recuperar, mas Deus só deu mais alguns dias para você resolver algumas coisas e partir para o lado dele.

No dia 30 de agosto, alguns dias depois do seu aniversário de 63 anos, fui te visitar e você estava totalmente diferente e muito debilitado, sem poder falar ou esboçar qualquer reação, apenas um piscar de olhos para responder nossas perguntas e apertos de mão para termos certeza que estava nos ouvindo. Eu falei pra você ser forte e te prometi que íamos voltar pra te levar pra casa. Mas você fugiu do compromisso de novo e foi embora quase à meia noite daquele dia.


O seu compromisso, na verdade, não era mais aqui com a gente e sim com Deus!


Te amo eternamente!


Obs.: Escrevi esse texto há um pouco mais de um mês, mas só consegui publicar agora. Me sabotei diversas vezes, porque depois de ter sofrido e chorado demais na escrita, mais difícil ainda seria revisar, colocar as fotos do meu pai e publicar. Mas achei a data certa para fazê-lo.


Feliz Natal!

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